Ter filhos é sempre uma experiência desorganizadora, que nos remete a emoções profundas e desconhecidas, guardadas em nosso inconsciente.
Desde que nascemos, de alguma forma somos orientadas a refletir e exercitar a maternidade. Às vezes tenho impressão que essa temática é tão essencialmente nossa, que deve ter sido carimbada no ato do nosso nascimento. O cenário cultural, independente da classe social, cuida de emblemas as habilidades necessárias para nos tornarmos mães ideais. E essa carga do perfeito, muitas vezes insustentável, nos acompanha no decorrer das nossas fases do desenvolvimento, assim como nas configurações relacionais que vamos construindo e incorporando à nossa subjetividade.
Em nosso cotidiano, quase que inevitavelmente nos deparamos com esse jogo de palavras “ideal x real”, foneticamente semelhantes, mas afetivamente tão distintos. De acordo com a definição em nossa língua mãe, “o ideal só existe na imaginação, é algo da dimensão do fantástico, quimérico e perfeito, logo humanamente impossível de ser alcançado”. Já a definição de real, clarifica a existência verdadeira, e não imaginária, da dimensão da vida real. Logo acolhe e compreende melhor as nossas limitações enquanto humanos gerando equilíbrio emocional satisfatório para lidar com as complexidades do empoderamento da maternidade.
Mesmo que tenhamos sido preparadas em toda a nossa existência para “dar a luz”, quando de fato isso ocorre, quase sempre nos sentimos despreparadas, inseguras e imaturas para assumir esse papel de tão grande porte. Enfrentamos a avalanche de mudanças corporais e hormonais, os infinitos e repetitivos exames, no entanto, quando estamos defronte aquele pequeno ser que depende incondicionalmente de nós, entramos instantaneamente numa crise por aquisição. Somos invadidas por um misto de sentimentos e por um turbilhão de emoções. Não bastando esse cenário caoticamente desorganizado, ganhamos junto com bebê um kit de sentimento de culpa.
As mães que trabalham fora de casa, antes mesmo de saírem da maternidade, já estão com o calendário nas mãos para, angustiadamente, contarem os dias que faltam para ficarem com o seu bebê. Já as mães em tempo integral precisam enfrentar a dor do anonimato, aceitando o seu bebê como o protagonista principal.
Quando pensei em escrever esse texto, busquei relatar um pouco do descontentamento e da dificuldade em lidar com a desconstrução de um modelo de mãe ideal, culturalmente reforçado em detrimento ao modelo de mãe real, sem admissão de comparações, porém legítimo e empoderado.
Na minha experiência materna, a mãe real é aquela que aceita errar, que está aberta as inovações, que repassa afetivamente seus princípios e valores, que investe no fortalecimento do vínculo e que corrige empaticamente seus filhos. Mães reais somos todas nós, que organizamos as nossas agendas, sempre priorizando um tempo presentificado com nossos filhos. Mãe real se faz no decorrer dos dias, dos meses e dos anos, através de experiências positivas e punitivas que desenham a história de um vínculo fortalecido que impera sobre modelos figurativos do ideal, perdidos e apagados nos dogmas culturais e nas historinhas de “faz de conta”. Eu sou uma mãe real, comprometida em acomodar dentro do meu diversificado repertório de atividades, ser feliz e fazer meus filhos felizes.
Felícia dos Santos
Psicóloga Infantil Comportamental – CRP:11/05957
Contato:
Clínica: (85)32710564
WhatsApp: (85) 86755865
feliciarte@ig.com.br